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Quando me ordenas cantar,
parece que o meu coração vai arrebentar-se...
Pensei que poderia te pedir a grinalda de flores que levas no pescoço...
Essa que ficou sempre na profundidade do meu ser...
A minha libertação...
Daqui por diante eu me expressarei em sussurros...
Cantar me enlouquece...
Quando me ordenas cantar,
parece que o meu coração vai arrebentar-se de orgulho.
Então contemplo a tua face e as
lágrimas me vêm aos olhos.
Tudo o que é duro e dissonante em minha vida se dissolve
em única e doce harmonia,
e a minha adoração abre as suas asas,
como um pássaro alegre voando sobre o mar.
Sei que tens prazer no meu canto.
Sei que posso chegar à tua presença apenas
como um cantor.
Com a ponta da asa imensamente
aberta do meu canto eu roço os teus pés,
que eu jamais poderia querer alcançar.
Embriagado pela alegria de cantar,
esqueço a mim mesmo e te chamo amigo,
tu que és o meu Senhor.
Pensei que poderia te pedir a grinalda de flores que levas no pescoço,
mas não me atrevi.
Fiquei esperando pela manhã,
quando tivesses ido embora, para encontrar pedaços dela no leito.
E fiquei na madrugada feito mendiga,
procurando uma ou duas pétalas caídas.
Coitada de mim, o que foi que
encontrei?
O que me restou do teu amor?
Nem flor, nem perfume, nem jarro de água perfumada...
Apenas a tua espada
poderosa, flamejante como chama e pesada
como raio na tempestade.
A luz jovem da manhã entra pela janela e se derrama em
teu leito. O pássaro da manhã começa a
cantar, e me pergunta:
"Mulher, o que é que encontraste?"
Não, não foi uma flor, nem perfume e nem jarro de água
perfumada.
Encontrei apenas a tua espada poderosa.
Sento-me e fico cismando, admirada com essa tua dádiva.
Não acho lugar onde escondê-la.
Tenho vergonha de usá-la, tão frágil sou,
e ela me fere quando eu a aperto contra o peito.
Mesmo assim, porém, eu levarei no meu coração
esse honroso fardo de dor,
que é a tua dádiva para mim.
Doravante nada mais temerei neste mundo,
e tu conquistarás a vitória em todas as minhas lutas.
Deste-me a morte por companheira,
eu vou coroá-la com a minha vida.
A tua espada está comigo para cortar as minhas amarras,
e nada mais temerei neste mundo.
Doravante eu abandono todos os adornos fúteis.
Senhor do meu coração,
não vou mais ficar esperando ou me
desesperando pelos cantos, e nunca mais
vou ser tímida ou caprichosa.
Deste-me como ornamento a tua espada.
Não preciso mais dos enfeites de boneca.
Essa que ficou sempre na profundidade do meu ser,
no crepúsculo de vislumbres e percepções momentâneas;
essa que jamais retirou seus véus na luz da manhã,
essa irá ser a minha última oferenda a ti, meu Deus,
envolta na minha canção final.
As palavras a cortejam, mas não conseguiram vencê-la,
e a persuasão inutilmente estendeu para ela os seus braços ansiosos.
Vaguei de país em país, conservando-a no íntimo do meu coração,
e ao redor dela a minha vida ergueu-se e caiu,
ao mesmo tempo forte e frágil.
Embora habite sozinha e afastada,
ela sempre reinou sobre todos os meus pensamentos
e ações, sobre todos os meus sonos e sonhos.
Muitos bateram à minha porta, perguntaram por ela,
e foram-se embora, sem esperança.
Ninguém no mundo conseguiu vê-la face a face,
e ela continua em sua solidão,
à espera do teu reconhecimento.
A minha libertação, para mim, não está na renúncia.
Sinto o abraço da liberdade em mil laços de prazer.
Daqui por diante eu me expressarei em sussurros......
Gastei muitas e muitas horas na luta entre o bem e o mal.
Mas agora o prazer do meu companheiro de jogos nos dias vazios
é atrair o meu coração para o seu.
E eu não compreendo por que esse repentino
convite para não sei qual inútil inconseqüência!
Cantar me enlouquece,
e se eu me desfizesse todo num vôo
de canção,
nada me pesaria tanto...
(Tradução de Ivo Storniolo)